A moral e a política

Temos que alterar o paradigma e não nos deixarmos arrastar pela lógica de substituição e de mais produção, mais crescimento. Infelizmente e desde logo a linguagem militar não nos deixa esperança vamos ter mais do mesmo com a bazuca.

“Nunca devo agir a não ser de modo que os meus actos possam ser lei universal”

Immanuel Kant

1. A situação climática já não tem classificação. Só nos resta salvarmo-nos do prejuízo, e este, no caminho para a Conferência de Novembro em Glasgow, é irreversível. Cada relatório é, sempre, sempre pior que o anterior. Mas pior que os relatórios aí estão, por todo o mundo, os extremos meteorológicos, chuvas intensas fora de época, degelos avassaladores, temperaturas nunca vistas, erosão crescente dos solos, destruição galopante dos recifes e da vida marinha, e desaparecimento ou diminuição irreversível de espécies e biodiversidade.
Tenho grande apreço pelo activismo ecológico, mas por vezes até de amigos e estimados expoentes vemos erros e desvalorização do cerne do problema.

2. Noutro dia vi um velho amigo depois de perguntado o que podíamos fazer disse “comer menos carne”... pois é uma boa intenção e muito saudável, mas não é por aí que se vai resolver ou sequer minimizar o problema. Devia ter proposto “acabar com a produção de gado e galináceos estabulados, impedir a queima de florestas para pastos, sobretudo em zonas tropicais, e claro encarecer o preço da carne, de forma a assim racionalizar o seu consumo e aumentar a qualidade dessa”, mas ao culpabilizar os indivíduos esqueceu que temos que equacionar o sistema de produção e alterar as lógicas de desenvolvimento, Mais crescimento? Não obrigado, mas tal não está na diminuição do consumo individual, que é bom e útil, mas numa alteração das condições de produção.

3. Recentemente um grupo ecologista, activo contra a nuclear espanhola e até contra as minas de urânio em Espanha, “deixou-se” financiar por uma empresa de mineração de urânio nacional, e temos outros, muitos outros casos em que grupos ecologistas se deixam seduzir, ou alguns dos seus dirigentes, por grupos económicos que quase todos têm rabos de fora.

E aqui temos outra variante do discurso de culpabilização “poupar, melhorar a eficiência dos produtos, alterar hábitos” mas temos que referir tal pode aumentar o desperdício e de pouco serve. Temos sim que sair do domínio das grandes empresas electro-produtoras e por exemplo aderir à Cooperativa Coopérnico e não dar tréguas a ideias insensatas de mineração de produtos que não vão, mas não vão mesmo, reconverter o sistema mas antes se dimensionam no quadro de um crescimento sem quaisquer possibilidades de futuro. Os carros eléctricos e tudo o que lhe está atrás são paliativos e não soluções. Temos que alterar o paradigma e não nos deixarmos arrastar pela lógica de substituição e de mais produção, mais crescimento. Infelizmente e desde logo a linguagem militar não nos deixa esperança vamos ter mais do mesmo com a bazuca. Noto a hipocrisia dos nossos governantes que ainda há pouco tiveram mel e louvaram o pensamento, as ideias e o quadro de referência que nos deixou Gonçalo Ribeiro Telles.

4. Mas no melhor pano caí a nódoa. Greta Thunberg a que se deve alguma da nova mediatização dos sérios problemas que enfrentamos, e que tem revelado capacidades e iniciativas notáveis cometeu um grave erro ao aceitar ser primeira página de uma revista de moda, onde é certo, vestida com roupas de luxo que serão vendidas como bombons, referiu que não comprava senão o necessário e em 2.ª mão. Pois mas... é o dispilfário estimulado por revistas e revistinhas que é um dos principais responsáveis pela degradação ambiental em áreas de produção intensiva e também não podemos esquecer por muito, muito trabalho escravo ou em condições que colidem com um mínimo de dignidade. E a água, pois não tarda nada teremos também no nosso país o solo a desaparecer sob insensatos regadios impulsionados por funcionários políticos no Terreiro de Paço que nem sabem o que é agro-ecologia, como já acontece em toda a zona de Alqueva a caminho de ser um inferno, de exaustão de solos, culturas exóticas e contaminação, também dos ares e águas subterrâneas.
Estive, ainda nos anos 80, mas já venho de antes, envolvido na colocação do clima na agenda, no quadro da preparação da conferência do Rio 92.

5. Infelizmente parece que nada foi feito a não ser aumentar as emissões, aumentar os químicos e poluentes, aumentar a destruição dos territórios e destruição da harmonia das paisagens, aumentar a ignorância e manipulação. E também a culpabilização de quem não tem o poder. E não posso deixar de referir áreas onde podemos fazer algo, mas onde os resultados são catastróficos, seja nas percentagens ínfimas de matérias recuperados, seja no processo errático, muitos dos reciclados continuam a ir todos para aterro... e será que nos vão culpabilizar, também? O único R válido é o re-utilizar, mas continuamos enfiados nos plásticos e latas e latinhas e sem introduzir a recuperação e a tara nas embalagens.

6. Já é claro que não vamos a tempo de controlar as alterações climáticas. É claro que os nossos dirigentes com poder de facto, articulados quase sempre com os sectores finanço-industriais, são incapazes de perceber que essas são resultado do crescimento económico que é sempre mais entropia no sistema no caminho do Armagedão, a que só chegaremos crescendo. E é claro que não vamos desistir, vamos continuar a apontar o dedo, a levantar a voz, a intervir, a sentarmo-nos e a tricotar. Não iremos desistir. E não esquecemos. Que fique registado.

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